Venho de uma família prolixa; de irmãos que contam causos pausadamente, que não perdem a paciência de conversar o mesmo assunto por horas...
Como a cultura familiar é determinante sobre alguns aspectos pessoais, eu não fugi a regra. Contava causos para os amigos, a cada tema, uma verdadeira redação! Até que conheci uma moça, canceriana, que tinha orgulho em me dizer que era cavalo de fogo no horóscopo chines; o que eu nem fazia ideia o que significava e que me disse em meio a uma crise existencial minha, acompanhada de uma confidência que, ela, alcoolizada, gritou: "Ah! Não sou obrigada a ouvir seus problemas! Por que não procura um analista?" - fiquei em estado de choque! num primeiro momento, totalmente impactada pela grosseria e falta de educação e depois de respirar bem fundo e dar a Cesar o que é de Cesar, pensei...: "Bem, direito dela não querer me ouvir! Não precisava este show de tosquitude rsss, mas, é um direito!" - dali para frente sempre pensei que tinha assunto demais, histórias demais, descobertas demais que queria repartir com alguém.
Recentemente, quando cheguei da minha analista, esquecida da lição acima citada e fui dividir uma confidência com uma pessoa com quem tive um relacionamento íntimo e ouvi quase a mesma coisa! Resolvi não mais passar por isto, deixar de ser chata e parar de confidenciar coisas com pessoas. Quase cantei:
"...de hoje em diante vou modificar o meu modo de vida..."
Mas como não sei nem se alguém vai ler isto, vou dizer... descobri que sou uma águia que foi criada como galinha! Não entendeu? segue a fábula:
"Era uma vez um
camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro, a fim de
mantê-lo cativo em casa. Conseguiu pegar um filhote de
águia.
Colocou-o no galinheiro junto às galinhas.
Cresceu como uma galinha.
Depois de cinco anos, esse
homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista.
Enquanto
passeavam pelo jardim, disse o naturalista:
- Esse
pássaro aí não é uma galinha. É uma águia.
-
De fato, disse o homem.- É uma águia. Mas eu a criei como galinha.
Ela não é mais águia. É uma galinha como as outras.
-
Não, retrucou o naturalista.- Ela é e será sempre uma águia. Este
coração a fará um dia voar às alturas.
- Não,
insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como
águia.
Então decidiram fazer uma prova. O
naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e, desafiando-a,
disse:
- Já que você de fato é uma águia, já
que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e
voe!
A águia ficou sentada sobre o braço estendido
do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá
embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.
O
camponês comentou:
- Eu lhe disse, ela virou uma
simples galinha!
- Não, tornou a insistir o
naturalista. - Ela é uma águia. E uma águia sempre será uma
águia. Vamos experimentar novamente amanhã.
No dia
seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da
casa.
Sussurrou-lhe:
- Águia, já
que você é uma águia, abra suas asas e voe!
Mas,
quando a águia viu lá embaixo as galinhas ciscando o chão, pulou e
foi parar junto delas.
O camponês sorriu e voltou a
carga:
- Eu havia lhe dito, ela virou galinha!
-
Não, respondeu firmemente o naturalista. - Ela é águia e possui
sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última
vez. Amanhã a farei voar.
No dia seguinte, o
naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia,
levaram-na para o alto de uma montanha. O sol estava nascendo
e dourava os picos das montanhas.
O
naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:
-
Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e
não à terra, abra suas asas e voe!
A águia olhou
ao redor. Tremia, como se experimentasse nova vida. Mas não voou.
Então, o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol,
de sorte que seus olhos pudessem se encher de claridade e ganhar as
dimensões do vasto horizonte.
Foi quando ela abriu
suas potentes asas.
Ergueu-se, soberana, sobre si
mesma. E começou a voar, a voar para o alto e voar cada vez mais
para o alto.
Voou. E nunca mais retornou."
Existem
pessoas que nos fazem pensar como galinhas. E ainda até pensamos que
somos efetivamente galinhas. Porém é preciso ser águia. Abrir as
asas e voar. Voar como as águias. E jamais se contentar com os grãos
que jogam aos pés para ciscar.”
Extraído
de artigo publicado pela Folha de São Paulo, por Leonardo Boff,
teólogo, escritor e professor de ética da UERJ
Então, justamente na hora em que comecei a contar sobre "a montanha" ela me ceifou! Chega! Minha analista será minha amiga de infância! Afinal ela ganha para isto né?
Beijão!